“Minha mãe faltou em um culto de domingo para
que eu nascesse”, conta Percival de Souza, um dos mais competentes e
conceituados jornalistas investigativos do País, especializado em
assuntos criminais e de segurança pública. Com 67 anos de idade e quase
meio século dedicado à profissão, ele não somente acumulou uma vasta
experiência profissional como também conviveu com situações envolvendo
crimes dos mais hediondos, capazes de abalar a fé de muitos que se dizem
cristãos. Não a dele, no entanto; afinal, a orientação e a fidelidade
aos princípios bíblicos são, possivelmente, o maior legado herdado dos
pais. “Sou um crente, no exato sentido do verbo crer, acreditar”,
autodefine-se.
Casado há 42 anos com Yeda Dias de
Souza, pai de duas filhas – Andréia e Tatiana – e avô de dois netos –
Julia e Murilo –, Percival é praticamente um paulistano nato, mesmo
tendo nascido em Braúna, pequeno município do oeste do Estado. Foi na
capital onde ele tomou gosto pelo jornalismo, quando, adolescente ainda,
trabalhou como contínuo na redação da Folha de S. Paulo. Hoje, o seu
currículo profissional é de causar inveja aos mais astutos e
proeminentes formadores de opinião: depois da Folha, passou pelo
Estadão, revistas Veja, Isto É e Época e, ao lado de Mino Carta, foi um
dos fundadores do Jornal da Tarde. Lá, mesmo trabalhando sob a marcação
cerrada imposta pelo regime militar, ajudou a promover uma verdadeira
revolução editorial na mídia impressa. (Confira a entevista na íntegra)
No jornalismo
televisivo, trabalhou na TV Globo, Cultura e na Educativa; atualmente, é
comentarista na Rede Record. E mais: é professor interdenominacional,
colunista de revistas evangélicas e autor de 17 livros; dentre eles
“Narcoditadura”, no qual recorre às Escrituras Sagradas para a
reconstrução dos fatos que envolveram o martírio vivido pelo
jornalista Tim Lopes, morto por traficantes em 2002, no Rio de
Janeiro.
Na igreja, Percival não perambulou tanto
quanto na profissão; simplesmente trocou a Metodista pela Catedral
Presbiteriana. Contudo, está sempre à disposição dos “irmãos” de fé
quando solicitado para palestras e aulas na Escola Dominical, pela qual
se diz apaixonado. Sabe-se lá qual é a mágica que ele usa para
administrar os seus horários diante de tantas atribuições, mas, para ir
aos cultos, sempre se dá um jeito. “Encontro tempo, a não ser quando o
trabalho me coloca obstáculos, como algum caso de grande repercussão.
Quando isso acontece, falo com sinceridade e de coração para o Senhor,
ou seja, oro”, explica. E foi em meio a essa correria toda que ele se
dispôs a conceder uma entrevista exclusiva à revista Exibir Gospel:
EG - Em que momento da sua vida você descobriu a vocação para o jornalismo?
PERCIVAL
- O jornalismo na veia foi descoberto aos 14 anos, quando eu trabalhava
como contínuo na Folha de S. Paulo. Eu gostava de escrever e fazia um
jornal interno, datilografado, com notícias quentíssimas sobre
personagens da redação. Pelas mãos do repórter José Hamilton Ribeiro,
entrei para a revista Quatro Rodas, fundada pelo “gênio” Mino Carta. Foi
a porta de entrada para o jornalismo, e de lá fui para o jornal O
Estado de S. Paulo. Na época, eu tinha 22 anos.
EG - E como se deu a transição para a editoria policial?
PERCIVAL
- Mino Carta é o culpado. O Jornal da Tarde iria revolucionar a
Imprensa brasileira, com texto, estilo, fotos, diagramação – tudo novo.
Ele queria inovar também a seção criminal e, por razões que eu nunca
entendi, acreditava que eu fosse o “cara” talhado para a área. Eu nunca
havia entrado numa delegacia antes, mas fui aprendendo, conhecendo e
escrevendo, dominando aos poucos e me aperfeiçoando. Nunca mais saí.
EG - Ao longo de sua carreira, alguma vez você já se sentiu desmotivado ou desiludido com o jornalismo?
PERCIVAL
- Pelo contrário. Acredito, um pouco quixotescamente, que era o meu
lugar, o meu ofício. Frustra-me, por vezes, não conseguir os Para
Percival de Souza, referência no jornalismo policial, o sentido da
profissão entra em simbiose com o sentido da vida; e ele sabe muito bem
como conciliar o lado profissional com a confissão religiosa. Mas quando
conto as minhas histórias, recompondo fatos, sinto--me realizado por
ter cumprido um papel. O sentido da profissão entra em simbiose com o
sentido da vida. Uma integração. Pensando assim, consegui fazer muita
coisa, demolindo moinhos de vento e construindo castelos de sonhos.
EG - E quanto à religião?
PERCIVAL
- Dou à religião um significado transcendente com o divino. Sou um
crente, no exato sentido do verbo crer, acreditar. Não sou carola nem
piegas. Teologicamente, sou exigente. Por exemplo: durante dois anos me
empenhei em estudar as cartas paulinas. Foi um mergulho profundo nos
mananciais do Evangelho. Gostei tanto que até viajei a Roma por causa de
Paulo, e reverti as maravilhas dessa viagem para o magistério
eclesiástico. Não gosto de superficialidades religiosas, crendices,
superstições, engodos. Afasto-me dos fariseus contemporâneos – pedras de
tropeço –, dos novos vendilhões dos templos, dos modernos vendedores de
indulgências; e procuro preservar, intactos, os conhecimentos bíblicos
recebidos e buscados.
EG - Como
você vê isso na Rede Record, pela ligação da emissora com uma das
maiores denominações evangélicas do País – a Igreja Universal do Reino
de Deus?
PERCIVAL - Eu sou o mesmo em qualquer lugar
onde fale, escreva e frequente. A Record tem um núcleo de reportagens
especiais da mais alta competência, e faz o seu trabalho sem limitações
impostas. Quanto à linha religiosa, ela é definida pela cúpula da Iurd.
Os horários tidos como religiosos são específicos, enquanto que a grade
de jornalismo é autônoma. Há jornalistas ligados à igreja, mas a maioria
não é, e sem direcionamentos. Palavra de quem esta lá dentro.
EG
- Você já chegou a sofrer algum tipo de retaliação, perseguição ou até
mesmo ameaça por trabalhar com jornalismo investigativo?
PERCIVAL
- As ameaças precisam ser administradas. Pessoas sem caráter ou
dignidade, corruptas, procuram torpedear o nosso trabalho. Já
precisamos, sim, de proteção. Quando a minha primeira filha estava para
nascer, tive de esconder a minha esposa, grávida, na casa de um amigo.
Havia riscos iminentes. Não conto porque não quero dar nenhum tipo de
satisfação para eunucos morais desse tipo, mas eles existem. São
pústulas, pulhas, canalhas. Temos de enfrentar a corja arrogante,
combatendo o bom combate.
EG - Costuma recorrer a Deus nesses momentos?
PERCIVAL
- A minha relação com o Senhor é direta, com momentos formais ou
coloquiais, solenes e descontraídos. Converso com Deus no chuveiro, no
carro e antes do programa de TV, e peço a Ele que me dê discernimento e
sensatez. Exponho as minhas fraquezas, peço a sua orientação, a sua
ajuda, a sua benção, a sua proteção. Quando está tudo bem, agradeço e
agradeço novamente. O Senhor me responde, e eu sinto a sua presença na
minha vida. Consigo vê-lo e senti-lo nos mais variados cenários, como se
Ele, generosa e bondosamente, me dissesse: “Vai, meu filho, estou com
você”. É uma dádiva, uma graça!
EG - Você costuma falar sobre religião com os seus amigos e companheiros de trabalho?
PERCIVAL
- Sim. Interessante que eles me fazem consultas e procuram explicações.
Como os meus colegas me consideram um bom jornalista e com certo status
na casa, acabam me respeitando como uma espécie de religioso
confiável. Não sei se é exatamente isso, mas suponho que seja. O fato é
que me tratam com respeito. Sou um tipo de consultor informal sobre
temas bíblicos, o que acho muito bom.
EG -
O que, em sua opinião, levou o teólogo Rubem Alves a negar a existência
de Deus após a tragédia das chuvas na região serrana do Rio de Janeiro?
PERCIVAL
- Sou leitor dele. Sei que o escritor, ex-pastor protestante, filósofo,
psicanalista, é devoto de Nietzsche. A reação dele diante da tragédia
serrana no Rio não é compatível com a sua profunda erudição, a qual
respeito. É triste. Precisa de uma reconversão? Está amargurado por
problemas de saúde? Algo para ser verificado pelos seus irmãos, ou
ex-irmãos, ou irmãos separados, como foram taxados os primeiros
protestantes pós-Reforma. Volte para o rebanho, Rubem. O Bom Pastor o
espera, sempre de braços abertos.
EG - Dos inúmeros casos de violência em que você trabalhou, há algum que o tenha marcado mais emocionalmente?
PERCIVAL
- O meu cotidiano é tenso por força da profissão. Preciso de equilíbrio
e da sustentação que o Senhor me proporciona. Todos os casos que
envolvem crianças são mais marcantes emocionalmente. Isabella Nardoni, a
menina de cinco anos arremessada da janela do sexto andar de um prédio
em 2008, me deixou angustiado. Enquanto concedo esta entrevista, estou
sob o impacto das crianças assassinadas dentro de uma escola em
Realengo, no Rio. Chorei no ar, incontrolável; mas eu não tenho vergonha
de chorar. Como diria Vieira (Padre Antônio Vieira, Sermão das Lágrimas
de Pedro, escrito em 1679), os olhos têm duas funções: ver e chorar.
Criança é o meu calcanhar de Aquiles.
EG - De certa forma, isso chega a abalar a sua fé?
PERCIVAL - Nunca. Fé é convicção, certeza, confiança. Eu sei em quem tenho crido.
EG - Por fim, o que as igrejas devem fazer para contribuir no combate à violência?
PERCIVAL
- O papel da Igreja é formar, moldar personalidades, ensinar virtudes,
valores transcendentes. O palco da violência está no coração humano,
onde se trava o combate entre o bem e o mal, não num sentido
maniqueísta, mas da luta entre Deus e as forças malignas. Para ser
violento, é preciso, antes, aprender a odiar. Os valores cristãos não
são burocráticos, meramente legalistas, prisioneiros de artigos e
parágrafos. O espírito vivifica, sabemos. A igreja tem um papel a
cumprir, e se ela se omitir, ninguém fará isso em seu lugar.
Fonte: Exibir Gospel
Via: www.guiame.com.br
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